O Caldo da Caridade e o Vô que Mentia com Classe
Nas tardes, a gente se amontoava no terreiro, cada um com seu prato de alumínio amassado, esperando a fumacinha sagrada sair da panela. Era mingau de farinha de mandioca, grosso e perfumado, com ovo de galinha caipira, coentro colhido no quintal, muita pimenta do reino e um poder milagroso: curava toda mazela, ressaca, frieira, dor de cotovelo e até casamento desfeito.
— Isso aqui levanta até defunto — dizia a tia, mexendo o caldo como quem invocava uma bênção. — Se Jesus tivesse provado, a multiplicação dos pães era de mingau!
Enquanto isso, vô Edmundo começava o espetáculo. Era um contador de causos profissional, desses que juram que viram boi voador e traíra pescada com estilingue. Dizia que já tinha dado carona pra um lobisomem, jogado sueca com o espírito de Lampião e sido noivo de uma mulher que virava coruja nas noites de lua cheia.
A gente ria, se assustava, se engasgava de tanto caldo e emoção. O caldo unia os vivos, invocava os mortos e dava força até pra primo preguiçoso carregar lenha. Era o nosso wifi de raiz com uma colher fumegante de afeto.
Mas hoje... Hoje o caldo esfriou. Ninguém mais ouve história, só encaminha link. Criança come miojo com o celular na mão, e o vô virou figurinha no grupo da família. O coentro agora vem do mercado, embrulhado em plástico, e o mingau perdeu a sustança.
No fim, o que curava o povo não era só o caldo. Era a conversa, o tempo partilhado, o riso com gosto de interior. Mas o progresso, às vezes, tem gosto de isopor: rápido, prático e sem alma. Saudade do tempo em que uma panela no fogo era capaz de juntar o mundo.
:..🌵

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