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terça-feira, 24 de outubro de 2023

RESENHA DO LIVRO A SÍNTESE DO GRITO

 


POESIA MINIMALISTA DE VAL MELLO

Por Rivane Oliveira*


Autora: Val Mello

Editora: Ventura

Páginas: 105

Gênero: Poemas

Ano: 2023


“A síntese do grito”, da escritora Val Mello, é um livro com aforismos que apresenta reflexões filosóficas. Com grande propriedade, a autora faz uma junção entre Literatura e Filosofia de forma criativa, isso porque os poemas são sintetizados de tal maneira que podem ser lidos em segundos, já que utiliza o minimalismo poético, no entanto promove ao leitor uma vasta reflexão que só é possível ser feita por meio do contato com a produção.


Ao ler a obra, podemos constatar o que Laura Esteves afirma, logo na orelha do livro, que “as sentenças filosóficas e poéticas da autora nos levam a refletir sobre a humanidade, o cotidiano e a nossa trajetória de vida”, como em “Som”, p.16, “De todos os ruídos em mim, / meu silêncio é o que grita mais alto.”. Ou ainda em “Loteria”, p.84, “Tenho a sorte de ser tão sertão...”, ao se mostrar e se sentir plena em uma riqueza jamais subtraída. É perceptível o que Lili Balonecker aponta, logo no prefácio, ao caracterizar os versos como “sabedorias emolduradas na eloquência da sucintez”, e afirma ainda “que é preciso ir além das obviedades, ultrapassar limites impostos e realizar lindos voos por meio da criação.”


Adentramos, agora, em uma breve análise de alguns trechos do referido livro. Nele, é comprovada a apreciação das características literárias mencionadas acima, conforme o leitor perceberá ao longo da leitura. A autora utiliza recursos, como é o caso de algumas figuras de linguagens, por exemplo, a personificação presente em “(...) o travesseiro fala, enquanto a madrugada / domina cada lembrança.”, p.21, e a metáfora em “Saudade é mesmo despertador”, p. 48, ou ainda jogos de palavras, como em “Superação”, p.27, “Lia leu a lei. / Largou o Leo, / que a mantivera ao léu.”, em “Ressaca”, p. 47, “Ontem tudo eram planos quentes, / hoje são panos frios / e lençóis vazios.”, e em “P{R}O{F}E{T}AS”, p. 29, “Nos profetas, / além da fé, / moram os poetas.”


Entre as diversas sensações que o livro proporciona, a escritora expõe os gritos que milhares de nós guardamos em cada instante de nossas vidas. Dizer muito em poucas palavras torna-se ainda mais possível por meio dos versos de Val Mello. Em nota, a autora recorre ao termo “verborragia” ao fazer uma crítica sobre os tempos efêmeros da sociedade contemporânea, é notória, portanto, uma obrigatoriedade do mundo tecnológico que nos impõe saber muito em menos tempo. Outra observação possível de ser feita está em “Consoantes”, p.15, em que é contemplada a geração atual: “Sinto-me leiga na pós-geração Z, / no resumo de uma linha, / consoantes e carinhas / ditam o relatório.”, há, dessa forma, um choque de gerações representado pela forma como utilizamos a escrita e transmitimos a comunicação.


Assim, a palavra minimalista ganha espaço e a poesia se utiliza dela para expressar suscintamente uma mudança no pensar. Em “Borboletas”, p. 100, nos deparamos com o trocadilho: “Descobri a liberdade / de viver em meu casulo.”. Já em “Metamorfose”, p.28, tem-se um convite para o desbravar do eu poético:


A multidão que habita em mim

te convida para o meu hoje.

Amanhã pode ser tarde,

Amanhã pode ser outra.


Outra reflexão a ser feita é que em tempos amargos e desesperançosos é comum não haver uma tensão e zelo para o encantamento que a poesia proporciona. Em “A síntese do grito”, há uma destreza ao mostrar a função do poema como válvula de escape para situações menos leves, como em “Atitude”, p. 22:


Poemizar a vida

é a forma mais sã de enlouquecer

e a maneira mais louca de se manter sã.


O fazer poético chama atenção nos versos em que há a valorização do poeta como em “Agricultor”, p. 39, “Se ler é alimento às almas, / o escritor deve ser terreno fértil.”, ou em “Balé”, p. 40, “O silêncio do mundo precisa / das canetas. / Escreva!”.


A obra direciona o leitor para um pensar mais analítico sobre muitas situações que eu, você e o outro vive, como em “Prece”, p. 69, “Que a ressaca de perder não resseque a vontade de tentar.”. Tudo isso une sensações dentro do minimalismo poético e visual e dentro também de uma construção imagética do texto, como observado em “Πr3i”, p.56:


QU3R0 NUM3R05

N45 M1NH45 L3TR45,

P4R4 C4LCUL4R 3 D35C0BR1R

0 V4L0R D3 UM4

0R4Ç40 1NT31R4.


Assim, não há como negar o profundo trabalho de Val Mello em seus versos notado pelo vocabulário bem trabalhado e que explora a semântica, dispondo de toda a intensidade, marca tão presente da autora em suas obras. Mais uma vez, comprava-se tal análise em “Estilo”, p. 42, no qual é ressaltado o acolhimento de si como o mais requintado estilo: “Não há moda mais perfeita / que aquela adquirida na grife da aceitação.”. Já em “Fases”, p.32, também deixa-se perceber o que foi mencionado, pois temos uma fuga por traz volubilidade humana:


Mudar é condição humana

para não enlouquecer,

nem pecado nem salvação,

só sobrevivência e fuga.


Em “Vácuo”, p. 100, encontramos outro recurso muito bem explorado: a metalinguagem. A autora usa a linguagem para explicar a si mesma quando diz: "A distância entre os homens não é/ espaço entre dois pontos, mas sim o / silêncio entre os espaços."


Diante de uma observação encantada da obra, fica claro o belo trabalho de Val Mello, haja vista que a produção da autora vai além da síntese em seu sentido literal, pois que sintetiza apenas a palavra, mas alcança o mais profundo pensar em nós. A força da palavra reverbera de tal forma que a escritora declara a vantagem, por assim dizer, de fazer ir além o que sente não só o leitor, mas quem escreve também, como em “Declaração”, p. 64, “Exerço na citação o poder de atingir outrem / nem que seja o outro lado de mim.”. Portanto, que a síntese dos gritos de Val Mello atinja outros por meio de seus versos para que muitos soltem os gritos antes silenciados e que o nosso “eu multidão”, p. 12, seja encontrado em nossos tumultos. Que Val Mello continue gritando sua poesia.


*RIVANE MARIA OLIVEIRA SILVA é professora de Língua Portuguesa, revisora de textos e resenhista.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

TRANSPARÊNCIA

 



TRANSPARÊNCIA 


Se faltam as letras

me entrego nos traços 

No risco me enredo

rasuro o riscado


Na página em branco

derramo as sementes 

das dores que gemem

sem paz e sem cor 


Canetas em punho

não tecem palavras

Mas traçam minh'alma

no livro da vida

no beijo da morte

no berço da escrita 

na tez expressão 

exposta na tela.


Val Mello