OBSERVADORA DO VOO DOS CARCARÁS


Há dias em que a alma pede silêncio, mas o mundo responde com poesia. Foi numa tarde dessas, entre o barulho das cigarras e a mansidão do rio que escorria sem pressa, que levantei os olhos e vi o carcará riscando o céu como quem escreve versos com as asas.

Eles voam alto, não se apressam, observam tudo com aquele olhar de quem já viu o tempo dobrar esquinas e retornar. No rasgo azul da tarde, parecem senhores do sertão, guardiões de histórias que só o vento entende. Cada batida de asa desenha um mapa invisível, como se orientassem a travessia dos rios e das emoções.Ali, onde o Parnaíba, o São Francisco, o Corrente, o Canindé, o Genipapo, o Longá ou o Poti encontram a solidão das margens, o poeta se senta, não por pose, mas por necessidade. Tem no peito uma rima incontida, daquelas que pulam feito bicho arisco quando não se escreve. Os olhos marejam, não de tristeza, mas de pertencimento. Ele canta as raízes, canta a poeira das estradas, o cheiro do chão molhado, o ventre quente da terra vermelha. Canta como quem reza.

À beira da água, o carcará pousa. Não para descansar, mas para testemunhar. Porque há algo de sagrado na travessia, seja de rio, de tempo ou de palavra. O poeta sabe disso. E por isso seu canto vem emocionado, como quem abraça uma mãe antiga, enterrada em barro e memória.

O carcará parte, o rio segue e o poeta, esse sobrevive, porque quem canta as raízes telúricas não se perde, floresce, mesmo em terra seca.

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