VOOS E FERRÕES
Ela nasceu num canto tão esquecido do mapa que nem o Google se atreve a traçar rota. Um fiapo de vereda fincado no meio dos torrões rachados pelo sol. Mas não se enganem com o tamanho: quem nasce estrada não pede licença pra cortar o mundo, vai apenas passando.
Viver entre serpentes vira só o treino. Aprende-se que algumas mordem, outras só sibilam. E ela? Passava no meio delas como quem atravessa festa de família: sorrindo, mas de olho. E os escorpiões? Brincava como se fossem piões, dizia que bicho traiçoeiro se doma com coragem e chinelo.Mas o que fazia mesmo brilhar os olhos da menina era o voo dos carcarás. Ficava horas olhando pro céu, achando bonito aquele jeito de quem não deve nada a ninguém. “Quando crescer, vou voar também”, dizia, com um graveto na mão e o barro até os joelhos.
A mãe vivia dizendo que ela precisava se comportar, que era uma menina e não estrada. Mas ela já era poeira e horizonte desde o berço. Sabia que quem nasce vereda pode até parecer pequena, mas leva dentro uma vontade danada de atravessar o mundo inteiro, mesmo que seja pulando serpente, brincando com escorpião e se guiando pelo grito dos carcarás.
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