UM NÓ EM NÓS



Em alguma varanda sombreada por parreirais ou sob o alpendre de uma casa de barro batido, um grupo de mulheres senta em roda como quem borda o tempo. São as artesãs — mãos que sabem conversar com a linha, agulha, com a palha, com o barro, com a madeira. Cada ponto dado é uma história costurada entre gerações, uma herança que não se perde porque vive sendo refeita.

Ali, não se trabalha apenas com fios e tintas: trabalha-se com paciência, com memória. Minha tia Sheila, por exemplo, aprendeu o crochê eu nao sei como, e eu aprendi com ela. Enquanto seus dedos bailam entre agulhas e novelos, ela conta histórias do tempo e até lembro quando tecíamos para as bonecas ou víamos os meninos fazer carrinhos de talo de buriti. Acima de tudo, a arte é também uma forma de manter os afetos vivos.

No sertão de Pedro II, tem mulher que borda pedras: as opalas azuis que saem da terra e ganham brilho em anéis e brincos. Tem rendeira que desenha o vento com bilros, como se a própria brisa se deixasse prender entre os fios.

Cada peça é mais que um objeto: é uma parte do Piauí que cabe nas mãos. Uma almofada com flor de mandacaru, um cesto de carnaúba, uma boneca de pano com vestido de chita. Tudo cheira à casa, à infância, ao sertão — uma beleza feita sem pressa, que se recusa a ser esquecida.

Essas mulheres não assinam suas obras como artistas plásticas, mas o mundo que sai de suas mãos tem o mesmo peso poético. Suas artes são como cantigas baixas: se escutam melhor com o coração atento. Porque é isso que elas fazem — cantam com as mãos, bordam com o olhar, modelam com a alma.

E o que é arte, afinal, senão a capacidade de transformar o ordinário em beleza? Nesse sentido, as artesãs do Piauí são grandes mestras. Com o calor do sol e o saber das avós, elas vão costurando o mundo, um ponto por vez.

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