Sob a figueira de Santa Rosa


  Quem já viveu o interior sabe: memória tem cheiro, tem poeira de estrada batida, tem a brisa quente trazendo o cheiro da piçarra misturada com areia solta, que sobe quando o caminhão passa estalando os pneus. Hoje lembrei do povoado Santa Rosa, onde eu costumava visitar a madrinha, no período de férias, fica na cidade de Piripiri, no coração quente do Piauí. Lá, as lembranças não se perdem — elas ficam presas nas árvores, no vento e na alma da gente.

No fim de tarde o vento começava a brincar com as folhas dos oitis, que enfileirados faziam sombra pra quem voltava do roçado. Os mais velhos puxavam conversa à toa debaixo das sombras largas, falando da chuva que não vinha ou do gado que emagreceu. O tempo andava devagar por ali, como se soubesse que pressa era coisa de cidade.

Tinha, ou melhor, ainda resiste o grande pé de figueira, ah, aquele pé de figueira! Imponente, na chegada ao do povoado, como quem dá boas vindas, mais velho que muita promessa feita em dia de São José. Diziam que ali já tinham acontecido batizados, brigas de família e até pedidos de casamento. A criançada fazia da figueira um mundo: era navio, era castelo, era esconderijo. Já os adultos preferiam a sombra e o silêncio, às vezes acompanhados de um gole de café quente ou uma cadeira de balanço.

A figueira era mais que árvore. Era ponto de encontro, era relógio sem ponteiro, bastava olhar a luz por entre os galhos pra saber se era hora de voltar pra casa. Ela sabia dos segredos do povoado, guardava risos, choros e histórias que ninguém teve coragem de contar em voz alta.


Hoje, quando fecho os olhos, ainda sinto o vento da tarde vindo com aquele cheiro de chão quente. Ainda vejo o brilho da piçarra sob o sol e ouço o estalo das sandálias no cascalho solto. As lembranças do interior não precisam de muito pra acordar. Basta uma brisa, uma sombra de oiti, ou uma figueira plantada dentro da saudade.

E Santa Rosa, com suas estradinhas vermelhas e seu tempo manso, segue viva dentro de mim — como se nunca tivesse deixado de existir.


:..\/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FALÉSIAS

REVISTA POESIA EDIÇÃO 2017 / TEMA :MEIO AMBIENTE

REMENDOS